sexta-feira, 4 de março de 2011

Valentino e Valentia


Lyvia Jardim

Divina Anne acordou, tomou café da manhã, vestiu uma calça jeans e uma camiseta básica, saiu de casa a bordo de uma Mercedes, parou nas trincheiras do Teatro Kodak, onde ensaiou para a grande apresentação que aconteceria mais à noite, terminou de ensaiar, almoçou e foi para um salão de beleza renomado, onde possui uma sala só para ela.
Com muita privacidade regada à petit fours e champanhes dispostos em flutes de cristal, Divina Anne tenta escolher, junto com um personal stylist, quantos vestidos deve levar e trajar em sua grande noite.
Na dúvida, escolheu oito – “mais alguns de reserva” - e fez de um Valentino vermelho vintage a sua porta de entrada para aquela que prometia ser a noite do triunfo: A 83ª edição do prêmio máximo do cinema norte americano, o Oscar, o qual Divina Anne foi anfitriã ao lado do ator James Franco no último domingo, dia 27 de fevereiro.
Divina Anne, assim como sua rotina ensaiada, é apenas uma enfatização, um apelido para a aura de glamour que revestiu a atriz Anne Hathaway em seu début como apresentadora do Oscar.
Novata na função, que já foi desempenhada pelos atores e comediantes Billy Crystal, Steve Martin e Alec Baldwin, entre outros, Anne, assim como o parceiro James Franco, foi uma tentativa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de revitalizar e conceder um sopro de juventude e beleza à cerimônia do Oscar.
Além disso, ambos atores fazem parte de uma nova safra de estrelas de Hollywood: Aquelas dotadas de um talento enraizado, que permite aos possuidores autonomia acerca da própria carreira.
Que o diga James Franco: O ator, que ganhou os holofotes com a cinessérie Homem Aranha, de Sam Raimi, dera um tempo na carreira cinematográfica para se aventurar no mundo universitário.
Salvo algumas participações, como em Milk – Um Sonho de Liberdade, onde interpretou o interesse amoroso do personagem título, vivido por Sean Penn e o traficante de Segurando as Pontas, Franco preferiu se dedicar mais ao estudo em sua teoria, nas vertentes idiomáticas – estuda Língua Inglesa na conceituada universidade da Ivy League, Yale – do que à sétima arte.
Tamanha autonomia fez com que o sol de Franco começasse a brilhar: Interpretou, com garra, o protagonista de 127 Horas, de Danny Boyle, pelo qual recebeu uma indicação ao Oscar de melhor ator.
Colecionou elogios pela interpretação perturbadora de Aron Ralston, o alpinista que foi às últimas consequências para retirar o braço de uma pedra nos cânions e já tem novos projetos engavetados, como o prelúdio de O Mágico de Oz e a cinebiografia da atriz pornô Linda Lovelace, famosa pelo clássico do gênero Garganta Profunda.
A trajetória de Anne Hathaway não é muito diferente. A atriz de nome homônimo ao da esposa de William Shakespeare alcançou o estrelato com o filme juvenil O Diário da Princesa, dos estúdios Disney, onde atuou ao lado de Julie Andrews.
A partir daí, trilhou uma bem sucedida carreira cinematográfica, atuando ora em filmes de entretenimento, como O Diabo Veste Prada e Agente 86, ora em filmes independentes, como é o caso de O Casamento de Rachel, de 2008, que rendeu à Anne – bingo! - uma indicação ao Oscar de melhor atriz em 2009.
No entanto, os atributos dos atores não foram suficientes para segurar aquela que foi vendida como a cerimônia mais inovadora e tecnológica do Oscar nos últimos tempos.
Tudo bem que as perguntas ocasionais foram levantadas. A novata Hailee Steinfeld, de apenas 14 anos, levaria para casa a estatueta de melhor atriz coadjuvante – por Bravura Indômita – e seria a nova Tatum O'Neal, com alguns anos a mais?
Ou, quiçá, a veterana Annete Benning levaria o troféu pela atuação em Minhas mães e meu pai e numa jogada surpreendente, tiraria o favoritismo de Natalie Portman e o seu Cisne Negro?
E a mais importante das perguntas: Qual dos principais adversários à estatueta de melhor filme a Academia ia preferir? O norte americano contemporâneo A Rede Social, de David Fincher, que retratou a história do Facebook ou o inglês tradicionalista O Discurso do Rei, de Tom Hooper?
Prevaleceu o segundo.

Valentino sai de cena

Hailee Steinfeld não faturou o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Perdeu para a veterana Melissa Leo, que após a indicação por Rio Congelado, em 2009, viu as águas cristalizarem com o filme O Vencedor.
Annete Benning também não tirou o favoritismo de Natalie Portman, que triunfou na categoria de melhor atriz, assim como Colin Firth, eleito o melhor ator por O Discurso do Rei.
Ao todo, o filme faturou quatro estatuetas – melhor filme, ator, diretor e roteiro original – e confirmou o que há muito se sabe, mas se faz que não sabe: A Academia prefere a escola tradicionalista de cinema e nada contra a corrente do experimentalismo que Hollywood transita nos últimos anos.
Analisando o histórico do Oscar, é fácil presumir tal afirmação.
Se em 2010 o menor Guerra ao Terror venceu a disputa contra o blockbuster Avatar, ao longo de 83 edições o Oscar premiou E O Vento Levou (1940), Casablanca (1944), Ben Hur (1960), Lawrence da Árabia (1963), A Lista de Schindler (1994), Coração Valente (1996) e Gladiador (2001), entre outras produções que por mais inovadoras que tenham sido para a época – vide Ben Hur – continham em sua essência um pano de fundo histórico para histórias de superação e muitas vezes, baseadas em fatos reais, como é o caso de A Lista de Schindler e Coração Valente.
O mesmo James Cameron de Avatar, por exemplo, levou onze estatuetas com o seu Titanic (1998), considerado o maior recordista de bilheteria contemporâneo até a chegada de Avatar. Nem mesmo a música tema insossa My Heart will go on, de Celine Dion, fez com que a Academia coroasse os excelentes Melhor é impossível, Gênio Indomável e Los Angeles, Cidade Proibida. Mérito de James Cameron, é claro, mas das peculiaridades de Titanic frente aos outros também.
O Discurso do Rei, em suma, bebe na mesma fonte que Shakespeare Apaixonado, eleito o melhor filme de 1999.
Pequeno épico saxão, o filme inglês que nomeou a insípida Gwyneth Paltrow melhor atriz, bateu o italiano A Vida é Bela – que teve a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo – , o igualmente histórico Elizabeth e os filmes de guerra Além da Linha Vermelha e O Resgate do Soldado Ryan, que, pasmem, também se desenrola durante a Segunda Guerra Mundial.
Aquele foi o ano da Segunda Guerra Mundial, assim como 2011 foi o ano em que, mais uma vez, a Academia preferiu a segurança ao experimental.

A valentia de Portman

Numa cerimônia considerada sem muitas novidades, se destacou Natalie Portman.
Não pela consagração da atriz israelense, que já era dada como certa por nove entre dez críticos de cinema.
Mas pela valentia de Portman em, apenas dois dias após a cerimônia, falar abertamente contra o estilista John Galliano, da Casa Dior, detentora do perfume Miss Dior, o qual a atriz é garota propaganda.
Galliano, nascido em Gibraltar e considerado um dos expoentes da moda atual, junto com Karl Lagerfeld, Yohji Yamamoto e o finado Alexander McQueen, só para citar alguns – teria proferido comentários jocosos contra um casal em um bar de Paris.
Entre outros devaneios, Galliano, visivelmente alcoolizado, teria proferido “amar Hitler”, em vídeo divulgado pelo tabloide sensacionalista The Sun, na última segunda feira, dia 28 de fevereiro.
Natalie Portman é judia.
E não importando a genialidade de Galliano como estilista ou sua bela estampa nos comerciais dos perfumes, Portman borrifou, publicamente, sua indignação para com Galliano.
Fazendo uma analogia acerca de suas palavras 'O preconceito é o oposto de tudo que é belo', a anarquia e os burburinhos impostos no mundo fashion e na mídia sobre o comportamento do estilista se reduzem a pó.
Porque se a moda nada mais é que a vestimenta superficial que reveste os indivíduos, aquela que assume os contornos de belo e apolístico, o preconceito exacerbado foi o nêmesis de John Galliano. Quase a maçã proibida num Éden de Guccis, Pradas, Yves Saints Laurents e claro, Diores.
Se roteirizada, sua via crúcis renderia um filme. Provavelmente, a se passar na Segunda Guerra Mundial, onde Galliano deixaria a imagem excêntrica de lado e assumiria botas e fardas para dar vida a um oficial nazista da SS.
Sua principal função seria tripudiar e fazer de rotos os trajes dos judeus nos campos de concentração.
Natalie Portman, ela mesma, seria a Joana D'arc de Auschwitz e se levantaria contra o Galliano oficial e outros opressores.
Ao final da película, teria o mesmo destino que a grande maioria dos judeus e seria levada para as câmaras de gás, como mártir, ao mesmo tempo que os ingleses desembarcavam na Normandia e iniciavam a derrocada dos arianos no Terceiro Reich.
Ou quem sabe, conseguiria escapar nos últimos minutos e teria um final feliz nas colinas estadunidenses.
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas certamente aplaudiria de pé.
 

2 comentários:

  1. Gostei e muito.

    A comparação Galliano|Oficial Nazista e Portman|Joana D'arc fechou de forma brilhante este belo texto.

    Eduardo

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  2. Interessante o texto, bom ver que está escrevendo bem e com coerencia, apenas espero que, se o talento fluir, nao o desperdiçe na pacata Mogi das Cruzes! Queira sempre mais!

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